terça-feira, 26 de junho de 2012

O ensino da filosofia!


O estatuto da filosofia no ensino secundário tem vindo a sofrer várias oscilações de relevância, ora apresenta-se como uma disciplina obrigatória aos três níveis do ensino secundário, ora é retirada do plano nacional e passa a funcionar apenas como opção. Já teve exame nacional obrigatório, já deixou de contar dessa lista…! Atualmente a situação é a seguinte, é disciplina obrigatória no 10º e 11º ano, e é opção no 12º ano. A filosofia neste momento parece que ganhou uma nova vitalidade, parece querer dar a impressão de que está novamente a assumir um papel fulcral na educação. Apesar disso, esses sinais não se refletem nas escolas, isto é, os alunos não veem qual a utilidade da filosofia e como tal não lhe atribuem essa importância, prova disso é a pouca adesão que o 12º tem à disciplina de filosofia. Isto leva-me a refletir sobre o que há de errado com a disciplina de filosofia? Os alunos só têm contacto com a filosofia no 10º ano, e no 11º já estão desmotivados para a disciplina, já a encaram como algo enfadonho e importuno, não entendendo a sua utilidade e o porquê de a ter de estudar. Ora, quando chegam ao 12º e a disciplina passa a ser apenas de opção, está claro que a maior parte dos alunos não a escolhem e preferem seguir outras disciplinas que consideram ter mais utilidade para o seu futuro académico. A opinião generalizada dos alunos é a de que estudar filosofia não vale a pena, os filósofos apenas discutem, com um léxico mais erudito, o significado das palavras. Os alunos não são capazes de perceber qual o proveito da filosofia para a sociedade.
Dado este cenário, dou comigo muitas vezes a pensar como é possível? Como é possível alguém não se interessar pela filosofia, uma disciplina que trata dos problemas mais fascinantes que alguém pode pensar? Uma disciplina que trata daqueles problemas que nos acompanham toda a vida? Toda a gente, mais cedo ou mais tarde, acaba por abordar problemas filosóficos. Por que razão estamos aqui? Há alguma prova da existência de Deus? A vida tem sentido? O que faz com que uma ação seja moralmente boa ou má? Por que devemos respeitar a lei? Existe a mente separada do corpo? O que é arte? Como evolui a ciência? Todos estes problemas são fascinantes e são problemas que nós colocamos a nós próprios muitas vezes na nossa vida. Então, como é possível os alunos acharem entediante uma disciplina que trata estes problemas, que nos ajuda a pensar a vida nas suas mais diversas facetas? Uma das respostas que imediatamente me surge ao pensamento para isto suceder – até porque aconteceu comigo no meu tempo de estudante no secundário – prende-se com o facto de as aulas de filosofia serem demasiado teóricas, muito agarradas aos livros e aos textos e pouco cativantes para os alunos.
É claro que a filosofia tem uma carga teórica forte, mas isso não quer dizer que também não possa ser pensada como algo mais prático. Principalmente no 10º ano, que funciona como introdução à filosofia, os professores têm de tornar as suas aulas mais motivadoras, têm de cativar os alunos para uma disciplina essencial – no sentido de ser importante para a sua construção cognitiva, e de ser transversal aos diversos saberes – na sua vida académica e não só. É fundamental que no 10º ano os professores possam aliar à erudição a motivação. Isto pode ser feito trabalhando textos que sejam mais acessíveis, com problemas apelativos para os alunos e para a idade deles, tratando problemas com os quais eles se identifiquem, trazendo-os para a temática de forma a fazê-los sentir que aqueles problemas também são deles e que pode ser interessante compreendê-los, discuti-los e projetá-los para o seu quotidiano. Um texto de filosofia pode conter essas duas vertentes, pode, por um lado, funcionar como menção da teoria tratada, e pode, também, funcionar como forma de colocar os alunos em contato com os seus problemas e levá-los a ter uma abertura maior para a teoria representada.     
A filosofia tem de ajudar os alunos a pensar melhor acerca dos diversos problemas que enfrentam e que têm cariz filosófico. Se os professores conseguirem fazer com que os alunos pensem melhor acerca dos assuntos filosóficos com o qual eles também se identifiquem de alguma forma, isso vai permitir criar nos alunos uma capacidade cognitiva que os levará a pensar de forma melhor todos os outros problemas com que se vão deparar enquanto cidadãos. A filosofia tem de levar os alunos a questionarem-se sobre aquilo que eles tinham como adquirido, a procurar justificação para o que fazem e para o que acontece. O professor de filosofia deve promover a discussão de ideias como prática filosófica básica, deve dotar os alunos dos conceitos básicos para poderem discutir os diversos problemas com propriedade e usar as teorias e ideias dos autores como complemento ou ajuda à perspetiva que os alunos formam sobre si e sobre o mundo. Desta forma, colocará os alunos dentro das diversas temáticas filosóficas que o programa exige e poderá motivá-los mais para adesão a esses conteúdos.
A filosofia obviamente não é um saber objetivo, se o fosse não seria filosofia mas uma outra coisa qualquer. A generalidade das pessoas não lida muito bem com aquilo que não é objetivo, procuram objetividade em tudo, e o caráter subjetivo da filosofia repele as pessoas para bem longe dela. A filosofia vive de teses e refutações, de argumentos, fundamentação desses argumentos e refutação desses mesmos argumentos, parece que nunca chega a uma conclusão, e isso afasta os alunos da sua órbita. Tem de ser o professor a tirar os alunos desse estado aversivo e conduzi-los para a linha da frente do problema filosóficos, levá-los a dizer; agora é comigo. Os alunos têm de perceber que podem ser eles a traçar o seu próprio caminho e o professor deve orientá-los nesse percurso. O professor deve levar os alunos a perceber que as matérias presentes no 10º e 11º ano de filosofia são controversas e que ainda procuram uma resolução definitiva, ou mais aceitável, mas deve fazê-lo de forma aos alunos tomarem consciência de que podem tomar parte do problema, porque ele também lhe é familiar de alguma forma.
Os alunos não são diferentes dos restantes seres humanos, e como tal também eles sentem curiosidade por tudo o que acontece em seu redor e procuram o sentido das coisas da sua vida individual, comum e do mundo. À filosofia cabe precisamente esse papel de os ajudar a formular esses sentidos. Furnelle centra o estudo da filosofia em 4 eixos de intervenção: questionar; concetualizar; argumentar; e fazer sentido. Eu não podia estar mais de acordo com esta perspetiva. A filosofia tem de se apresentar aos alunos como uma forma diferente de encarar o mundo e as crenças que formulamos, e no qual baseamos o nosso conhecimento acerca dele. A reflexão racional acerca do que é o mundo pode ser feita de várias formas, mas acima de tudo tem de ser feita de maneira a que os alunos se sintam atraídos por essa reflexão.
Como disse Kant, não se pode ensinar filosofia, apenas se pode ensinar a filosofar. A filosofia tem de permitir aos alunos adquirirem ferramentas conceptuais, ensinar a criar conceitos que lhes permitam transformar em inteligível o que era enigmático. Deve levar os alunos ao pensamento, a pensar de forma fundamentada e esclarecida, instruí-los acerca da diferença entre a opinião e a justificação. A filosofia na sala de aula tem de se fazer pensando e discutindo-se acerca dos problemas filosóficos, analisando teses e argumentos.
A filosofia, e os seus professores, têm de combater a ideia de esoterismo que envolve a filosofia, tem de se desmistificar a perceção de que a filosofia não é útil, de que o seu ensino não faz qualquer sentido, de que os filósofos apenas conseguem lidar com os pensamentos abstratos, mas que são inabilitados para lidar com coisas práticas da vida. É necessário demonstrar que a filosofia não pode ser aquela disciplina que com a qual, ou sem a qual, se fica tal e qual. 

Ricardo Carvalho